Contratação direta na pandemia do Coronavirus

27/03/2020

A Lei nº 8.666/1993 traz em seu art. 24, inc. IV a hipótese geral de contratação direta (dispensa de licitação) “nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares”.

Trata-se de uma situação de “licitação proibida” afinal, se bens importantes estão em risco não se pode cogitar na realização de um certame licitatório, mas sim de contratar diretamente, sem licitação, estando vedada (“proibida”) a realização de qualquer processo competitivo em que o decurso de tempo agregue mais riscos para a situação instalada.

Já a Lei nº 13.979/2020 trouxe em seu art. 4º uma regra específica que contempla uma nova hipótese de dispensa. Essa nova hipótese é aquela em que é dispensável “a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.

Contratação direta na pandemia do Coronavirus

Não se pode aqui deixar de lembrar do brocardo: “lex specialis derogat legi generali”, ou seja, a norma especial afasta a incidência da norma geral – é a regra da especialidade que deve ser utilizada no processo hermenêutico quando houver um conflito aparente de normas. Consigna-se ainda que a norma se diz especial quando contiver os elementos de outra (geral) e acrescentar detalhes, pormenores; que a destaca (especifica) da norma geral.

Pois bem, analisando o art. 4º, caput da Lei nº 13.979/2020 observa-se que o mesmo não prescreve que as dispensas apenas devem ocorrer para contratações na área de saúde, mas para o “enfrentamento da emergência de saúde pública”.

Observe que a finalidade (telos normativo) da lei e do dispositivo é o “enfrentamento da emergência de saúde pública” e não necessariamente e de per si a “saúde pública”, mas o “enfrentamento da emergência” sob qualquer aspecto; e onde o legislador não distinguiu, não é lícito ao interprete distinguir (“ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”).

Realizando uma interpretação sistemática, observa-se no art. 1º, § 1º que “as medidas estabelecidas nesta Lei objetivam a proteção da coletividade”, sendo que essa proteção deve ocorrer de forma mais alargada possível, contemplando todos os seguimentos dessa sociedade e todas as “frentes” possíveis.

Tem-se assim que o “enfrentamento” mencionado pelo art. 4º, caput e art. 1º, ambos da Lei nº 13.979/2020 deve ocorrer por diversas “frentes” e não apenas na contratação de bens, serviços e insumos relacionados diretamente à saúde, podendo a contratação direta prevista no caput do art. 4º ser utilizada também para aquelas situações que sirvam, por exemplo, para manter o funcionamento das instituições públicas (Administração Pública Direta e Indireta, inclusive as empresas estatais), contribuir para o cumprimento do isolamento social, proteger a saúde dos agentes públicos durante o exercício de suas funções ou garantir o funcionamento do órgão ou da entidade.

Nesse sentido, a aquisição de produtos (álcool gel, máscara etc.), a locação de equipamentos ou a contratação de serviços, inclusive software, que objetivem o funcionamento e a prestação de serviço público (presencial ou remoto) nesse período de isolamento social também se prestam para o “enfrentamento da emergência de saúde pública” decorrente do coronavírus e assim, devem ser contratados com fundamento no art. 4º da Lei nº 13.979/2020.

Os exemplos podem ser os mais variados e, com certeza, já estão acontecendo por esse Brasil afora: Prefeituras comprando álcool gel para seus agentes da atividade administrativa; Secretarias Estaduais de Segurança adquirindo máscaras para os Policiais Militares; Câmaras Municipais contratando empresas para instalar software que permitam o funcionamento remoto do Plenário; órgãos e entidades diversas locando equipamento a fim de permitir o serviço remoto de seus agentes etc.

Por fim, e utilizando o mesmo fundamento aqui exposto, entendemos que o “pregão express” trazido no art. 4º-G pode ser utilizado para aquelas situações que sirvam para manter o funcionamento das instituições públicas (Administração Pública Direta e Indireta, inclusive as empresas estatais), bem como para contribuir para o cumprimento do isolamento social, para proteger a saúde dos agentes públicos durante o exercício de suas funções e não apenas na contratação de bens, serviços e insumos relacionados diretamente à saúde.