Das fake news às “fake law”: os fins justificam os meios?

04/06/2020

O poder não deve ser exercido de forma concentrada, tendo a história demonstrado que “todo o homem que tem poder tende a abusar dele”, essa é a razão da separação de poderes. Em março de 2019 o STF instaurou o Inquérito das fake news a fim de apurar notícias ou postagens que extrapolem a liberdade de expressão – um dos direitos fundamentais mais caros numa democracia pluralista como a brasileira.

A situação posta é delicada, pois ao mesmo tempo que uma tentativa de limitação pode configurar censura; a ausência de controle (a posteriori) pode incitar discursos de ódio, crimes ou atentar contra as instituições – e isso jamais poderá ser admitido.

Contudo, o inquérito instaurado de ofício, conduzido e julgado pelo STF traz consigo inafastáveis vícios, pois desconsidera a legitimidade constitucional do Ministério Público para conduzir as investigações e fazer os requerimentos. A imparcialidade das decisões também está sob suspeita, afinal, o STF é ao mesmo tempo vítima, investigador, acusador e julgador.

Além disso, outros fatores maculam o procedimento: a escolha do Relator sem o costumeiro sorteio que homenageia a impessoalidade; o sigilo do Inquérito; o foro no STF (ignorando que o foro por prerrogativa de função é fixado pela autoria e não pela vítima); uma interpretação elástica do art. 43 do Regimento do STF (que trata apenas de crime ocorrido nas dependências do STF); e, a ausência de escopo investigativo definido.

Nenhum direito é absoluto. Liberdade de expressão não pode servir de escudo para prática de crimes, disseminação de ódio ou atentados contra instituições democráticas; seria uma incongruência.

Nenhum poder é absoluto. É indispensável uma calibração pelo sistema de freios e contrapesos, para que um órgão possa sopesar o agir de outro. Daí a necessidade do protagonismo do Ministério Público na investigação e na acusação conforme determina a Constituição (princípio acusatório).

Por fim, uma provocação: para combater as fake news é possível utilizar de fake laws (considerando os vícios do Inquérito)? Os fins justificam os meios? Entendo que não, e conforme já se advertiu de longa data: “a forma é inimiga jurada do arbítrio e irmã gêmea da liberdade” (Ihering).